Por Moisés M Monteiro
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Capa da revista Manchete, de 17 de setembro de 1977 que
trouxe a reportagem com o título "Um Herói no Poço
das Ariranhas". |
Entre 1972 e 1975, eu cursava o primário numa escola no bairro de Neves, município de São Gonçalo, Rio de Janeiro. Na época, o Grupo Escolar Melchíades Picanço. Ali, fiz amizades que duram até hoje: Ângelo, Elson, Clevinho, Maria Stael, Edgard, Ronald, Tula, Celi Mendonça e tantos outros.
Um desses amigos que conheci por volta de 1973 era um garotinho mineiro, chamado Adilson Florêncio da Costa, de nove anos, que morava na Lira uma localidade ali de Neves. Ele tinha um sotaque bastante forte e eu achava engraçado quando, numa conversa, Adilson falava a palavra carne. ele dizia, mais ou menos, assim: “cairne”! Era um amigo legal, quietinho, quietinho, muito gente boa!
Certo dia, Adilson chegou dizendo que iria embora com a família. E foi mesmo. Morar em Brasília. Desde então, não nos vimos mais. Tempos depois, tive notícias dele, e de uma forma bastante surpreendente.
Meu pai, Aluisio, comprava toda semana uma edição da revista Manchete. Todo mundo lia a Manchete como, hoje, lêem a Veja. Só que a revista do Grupo Bloch fazia muito mais sucesso.
Eu gostava de ler a Manchete e numa dessas vezes ao folhear uma edição de setembro de 1977, dei de cara com uma matéria com o título "Um Herói no Poço das Ariranhas". Na reportagem, uma foto do meu amigo Adilson envolto em bandagens em cima de uma cama de hospital. Ao lado, outra foto, de um homem que o havia salvo de um ataque no poço das Ariranhas, ocorrido dentro do zoológico de Brasília, num sábado, 27 de agosto daquele ano: o sargento do exército Sílvio Delmar Hollenbach. O caso repercutiu muito na época, principalmente, em Brasília.
Testemunhas contaram que Adilson - então com 13 anos - e alguns amigos brincavam perigosamente junto a uma grade que separava os visitantes do poço das Ariranhas; um animal da família das lontras que mantêm uma boa relação social entre si e defendem com muita ferocidade o seu território. Ele se desequilibrou, caiu lá dentro e sua presença ali deve ter sido interpretada pela mãe ariranha como uma ameaça aos seus filhotes. Adilson foi atacado e se não fosse a intervenção heróica do Sargento Sílvio Hollenbach, não estaria vivo hoje. Mas o ato heróico do militar custou-lhe a vida, três dias depois. No momento em que começou o ataque, ele estava se dirigindo ao carro com a família para ir embora, quando ouviu os gritos de Adilson. Tornou-se um herói. Sua bravura foi reverenciada até mesmo pelo Presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, que enviou um telegrama de pêsames à família.
A reportagem da revista Manchete contou que Adilson declarou aos repórteres no hospital que pretendia oferecer ao sargento uma grande festa em sua homenagem. Não sabia, porém, naquele momento que Sílvio Hollenbach não havia resistido aos ferimentos.
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À direita.: Adilson na cama do hospital após o ataque. Na foto menor, à esquerda,
o sargento Sílvio Delmar Hollenbach que o salvou mas, infelizmente, não resistiu
aos ferimentos três dias depois. Reportagem de AYRTON CENTENO.
Fotos de CLÁUDIO ALVES e Correio Braziliense.
Revista Manchete / 17.09.1977. Págs. 26B e 26C.
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Revista Manchete / 17.09.1977 - pág. 26D. |
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Busto do sargento Sílvio Delmar
Hollenbach, na entrada do Jardim
Zoológico de Brasília. |
Naquele ano, 1977, a turma que se formou na Escola de Sargentos das Armas, recebeu o seu nome. Mais recentemente, o zoológico de Brasília também recebeu o nome do sargento Sílvio Delmar Hollenbach, em sua homenagem.
Adilson, hoje, continua morando em Brasília e é funcionário dos Correios. Não gosta de falar sobre o assunto. É um direito que tem. Mas essa posição não é compreendida por todos.
Seja como for, o trauma causado por uma experiência como aquela vivida por ele, aos 13 anos, certamente o marcou profundamente.
Um fato curioso, ainda, relacionado a essa história toda aconteceu comigo há alguns anos atrás - se não me falha a memória, entre de 2004 e 2006, Wanda, avó do meu afilhado Thales, ligou pra minha casa e disse a Melinha que estava ajudando o neto com uma pesquisa escolar sobre um tema do seu livro envolvendo um animal chamado ariranha. Perguntou a Melinha sobre esse animal e contou que no livro de escola de Thales era apresentada a história de um menino que havia caído num poço cheio delas. A história enaltecia a bravura de um homem que havia salvo o garoto. Pois bem, Melinha disse a Wanda que aquele menino era um amigo meu de escola e contou-lhe a história. Wanda surpreendeu-se.
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Ariranha: mamífero carnívoro da família das lontras. |