Moisés e o herói, Tiago Viana. |
Não é todo dia que se conhece um herói de verdade pessoalmente. Na última segunda-feira, dia 21 de março, Moisés encontrou no Forum de Niterói, o advogado Tiago Viana, um dos heróis que tiraram de dentro do mar o mergulhador Eduardo Quental, que ficou à deriva no meio da Baía de Guanabara durante 16 horas. Depois de sofrer um acidente próximo às ilhas Cagarras, em Ipanema, Eduardo ficou imobilizado do pescoço pra baixo e só não se afogou porque a roupa de mergulho que vestia lhe ajudou a boiar. Somente na manhã do dia seguinte, Tiago Viana e um amigo, o administrador Jorge Carvalho, que estavam pescando nas proximidades da praia resgataram o mergulhador. Curiosidade: Jorge não sabe nadar!
Uma reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo, exibido no último dia 13 de março contou como tudo aconteceu (leia matéria abaixo).
Mergulhador passa 16h à deriva com o corpo paralisado
Eduardo Quental estava fazendo um mergulho nas Ilhas Cagarras, no Rio de Janeiro, quando bateu com a cabeça no fundo do barco. Ele foi resgatado a 21 km do local onde sofreu o acidente.
Um dia lindo. E em apenas dez minutos os amigos chegavam às Ilhas Cagarras, bem em frente à Praia de Ipanema, no Rio. Sob aquelas águas, eles pescam há décadas. Naquele dia, pegaram uma garoupa de 25 quilos. Mas decidiram dar mais um mergulho. Na subida para a superfície, um instante de distração.
“Não olhei para a superfície, e o barco também se deslocou um pouquinho. Então, na subida do mergulho, eu dei com a cabeça no fundo do barco. Não foi uma pancada muito forte, mas me imobilizou totalmente na hora. Instantaneamente eu perdi o movimento de todos os membros. Só fiquei com a cabeça mexendo”, conta o mergulhador Eduardo Quental.
O impacto na coluna o deixou paralisado do pescoço para baixo.
“Foi uma situação desesperadora, porque eu comecei a tentar mexer e vi que não mexia. Aí, eu percebi plenamente o que tinha ocorrido. Foi o pior momento, imaginei que eu fosse morrer afogado porque não podia me movimentar, estava debaixo d’água ainda e sem ar. Naquele momento, eu me despedi da minha mulher e da minha filha e fiquei aguardando a morte chegar, segurando o fôlego. Foram segundos como uma eternidade. Só que meu corpo foi se virando, e eu saí com a cara para cima respirando”, descreve.
A roupa de neoprene ajudou a boiar. E o cinto, com peso, deu estabilidade. Marcos, o companheiro, ainda estava na água e não viu nada. Quando Marcos voltou para o barco, encontrou a bóia de Eduardo sinalizando que ele ainda estava lá embaixo. Passados alguns minutos, chegou à conclusão mais óbvia em uma situação dessas: o companheiro tinha sofrido um apagamento e estava afogado lá embaixo.
“Minha preocupação não era subir no barco e procurar em volta, era procurar no fundo. Foi o que eu fiz. Quando chegando ao barco e não o encontrei, comecei a mergulhar em volta para ver se achava ele no fundo desmaiado”, conta Marcos Mantovani.
Eduardo não conseguiu pedir socorro. “Tentei dar uns gritos para o meu parceiro, mas como meu pulmão estava sem controle, eu tinha pouco ar, pouco fôlego. Então, ele não viu e aí foi”, diz.
E foi. Em poucos minutos, só o rosto estava de fora. Era um pontinho na imensidão do mar, ao sabor da correnteza. Mas com mais quatro horas de sol pela frente, ele achava que o resgate ia chegar.
“Eu falei: ‘Tranquilo, vão me achar daqui a pouquinho’. Ficava esperando por barulho de barco, de helicóptero. O tempo foi passando e nada. Não passou nenhum barco, nenhum helicóptero”, lembra Eduardo.
Muitos barcos foram mobilizados, mas procuravam longe de onde ele estava.
“A água estava no limite da boca. Eu tinha que manter o pulmão cheio, senão afundava um pouquinho. Então, tinha que fazer uma técnica de respiração: eu enchia o pulmão e aguentava uns 15 segundos. Enquanto isso, meu corpo boiava um pouquinho melhor e eu deixava as ondinhas lamberem minha cara. Não atrapalhava minha respiração e ia repetindo esse processo”, explica.
Outro risco: a hipotermia. Quando o corpo perde calor.
“Eu fazia exercícios com a cabeça e com a boca, que eu podia, e descobri também que tinha um movimento de ombro que me cutucava a região onde eu tive o apertamento da medula e me dava um choquezinho no corpo. Eu provocava a dor para poder me manter vivo. A questão é que eu teria que fazer isso durante muitas horas. O pôr do sol foi se aproximando e, quando escureceu, veio a segunda fase. Foi uma fase difícil. Eu tive consciência de que teria que sobreviver muitas horas naquela situação”, lembra.
A maré enchente carregou Eduardo para a entrada da Baía de Guanabara, rota de navios.
“Em torno das 23h, veio um cruzeiro desses de turismo muito grande, saindo da baía. Eu estava preocupado de cair nas turbinas do navio. Ele passou do meu lado. Até dei uns gritinhos, peguei água do lado e soprei para o alto, para ver se alguém via um chafarizinho. Mas, racionalmente, não havia a menor possibilidade”, diz Eduardo.
Como suportar as horas de escuridão e imobilidade?
“Eu me agarrei à vida. Percebi que eu queria muito viver. Eu tinha certeza de que ia ficar tetraplégico. Durante a noite, eu falei: ‘Tudo bem, não vou ficar com movimento. Isso não vale nada, eu quero a vida. Eu vou poder ver a minha filha crescer, vou poder estar com a minha mulher, minha família, meus amigos, vou estar pleno, minha cabeça está boa’”, conta Eduardo.
A maré mudou, e o rumo dele também. Desde as Ilhas Cagarras foram 16 horas e 21 quilômetros flutuando. Ao amanhecer, ele estava em frente à Praia de Piratininga, em Niterói.
A poucos metros da praia que seria a salvação, Eduardo sabia que estava enfrentando o maior risco desde a hora do acidente. Ele precisava ser resgatado antes da arrebentação. Qualquer pessoa que já pegou jacaré, que já atravessou a arrebentação, sabe a força que uma onda tem para deslocar um corpo. Agora imagine se essa pessoa está com pernas e braços paralisados. A lesão na coluna poderia ser agravada. Além disso, se a onda jogasse Eduardo na praia, na posição errada, de cabeça para baixo, ele poderia morrer afogado em um tantinho de água.
Eram 6h30 quando amigos que saíam para pescar pararam para olhar o mar e viram um vulto preto na água.
“Ele falava que era tartaruga; eu dizia que era lixo. Só quando chegamos perto da água mesmo constatamos que era uma pessoa”, conta o advogado Tiago Viana.
Jorge não sabe nadar. Tiago estava com medo de ser puxado para baixo. Foi Eduardo, que depois de tudo, ainda tranquilizou os dois e explicou o que deviam fazer.
“Eu até estranhei. Pelo que aconteceu, ele até que chegou à areia muito calmo, muito tranquilo”, diz Tiago.
A emoção é indescritível. “Com 60 anos de idade e sem nunca ter praticado uma aula de natação, não saber nadar nem o suficiente para me salvar, participar do resgate de uma pessoa assim”, conta o administrador Jorge Carvalho.
Ainda ali, na praia, Eduardo pediu para ligarem para a mulher dele. Ela havia passado a noite ouvindo que não havia esperança.
“Mesmo se ele não tiver recuperação nenhuma e ficar assim para sempre já está super no lucro, porque ele está de volta, lúcido. Estamos aqui conversando, vamos ficar juntos, vamos tomar vinho juntos, vamos acabar de criar nossa filha. Então, está no lucro total”, comemora Marina Quental.
No mesmo dia, Eduardo foi operado. Os médicos entenderam que a pancada provocou a paralisia porque ele tinha, sem saber, uma degeneração na coluna. Na cirurgia, eles removeram um pedaço de duas vértebras, permitindo que o fluxo fosse restabelecido.
“Estamos confiantes de que ele vai ter uma melhora grande com o passar dos meses. Não é uma coisa rápida, mas é evolutiva”, explica o médico Paulo José Pereira.
Um mês depois do acidente, os progressos aparecem. O braço e a perna direitos estão com movimento. A mão vai ficando cada vez mais firme. E quem já se conformava em viver paralisado agora faz planos
“Assim que eu puder, vou para dentro da piscina começar a treinar respiração. Se Deus quiser, eu vou voltar a fazer caça submarina melhor do que eu fazia antes. Essa é a minha ideia”, planeja Eduardo.
“Não olhei para a superfície, e o barco também se deslocou um pouquinho. Então, na subida do mergulho, eu dei com a cabeça no fundo do barco. Não foi uma pancada muito forte, mas me imobilizou totalmente na hora. Instantaneamente eu perdi o movimento de todos os membros. Só fiquei com a cabeça mexendo”, conta o mergulhador Eduardo Quental.
O impacto na coluna o deixou paralisado do pescoço para baixo.
“Foi uma situação desesperadora, porque eu comecei a tentar mexer e vi que não mexia. Aí, eu percebi plenamente o que tinha ocorrido. Foi o pior momento, imaginei que eu fosse morrer afogado porque não podia me movimentar, estava debaixo d’água ainda e sem ar. Naquele momento, eu me despedi da minha mulher e da minha filha e fiquei aguardando a morte chegar, segurando o fôlego. Foram segundos como uma eternidade. Só que meu corpo foi se virando, e eu saí com a cara para cima respirando”, descreve.
A roupa de neoprene ajudou a boiar. E o cinto, com peso, deu estabilidade. Marcos, o companheiro, ainda estava na água e não viu nada. Quando Marcos voltou para o barco, encontrou a bóia de Eduardo sinalizando que ele ainda estava lá embaixo. Passados alguns minutos, chegou à conclusão mais óbvia em uma situação dessas: o companheiro tinha sofrido um apagamento e estava afogado lá embaixo.
“Minha preocupação não era subir no barco e procurar em volta, era procurar no fundo. Foi o que eu fiz. Quando chegando ao barco e não o encontrei, comecei a mergulhar em volta para ver se achava ele no fundo desmaiado”, conta Marcos Mantovani.
Eduardo não conseguiu pedir socorro. “Tentei dar uns gritos para o meu parceiro, mas como meu pulmão estava sem controle, eu tinha pouco ar, pouco fôlego. Então, ele não viu e aí foi”, diz.
E foi. Em poucos minutos, só o rosto estava de fora. Era um pontinho na imensidão do mar, ao sabor da correnteza. Mas com mais quatro horas de sol pela frente, ele achava que o resgate ia chegar.
“Eu falei: ‘Tranquilo, vão me achar daqui a pouquinho’. Ficava esperando por barulho de barco, de helicóptero. O tempo foi passando e nada. Não passou nenhum barco, nenhum helicóptero”, lembra Eduardo.
Muitos barcos foram mobilizados, mas procuravam longe de onde ele estava.
“A água estava no limite da boca. Eu tinha que manter o pulmão cheio, senão afundava um pouquinho. Então, tinha que fazer uma técnica de respiração: eu enchia o pulmão e aguentava uns 15 segundos. Enquanto isso, meu corpo boiava um pouquinho melhor e eu deixava as ondinhas lamberem minha cara. Não atrapalhava minha respiração e ia repetindo esse processo”, explica.
Outro risco: a hipotermia. Quando o corpo perde calor.
“Eu fazia exercícios com a cabeça e com a boca, que eu podia, e descobri também que tinha um movimento de ombro que me cutucava a região onde eu tive o apertamento da medula e me dava um choquezinho no corpo. Eu provocava a dor para poder me manter vivo. A questão é que eu teria que fazer isso durante muitas horas. O pôr do sol foi se aproximando e, quando escureceu, veio a segunda fase. Foi uma fase difícil. Eu tive consciência de que teria que sobreviver muitas horas naquela situação”, lembra.
A maré enchente carregou Eduardo para a entrada da Baía de Guanabara, rota de navios.
“Em torno das 23h, veio um cruzeiro desses de turismo muito grande, saindo da baía. Eu estava preocupado de cair nas turbinas do navio. Ele passou do meu lado. Até dei uns gritinhos, peguei água do lado e soprei para o alto, para ver se alguém via um chafarizinho. Mas, racionalmente, não havia a menor possibilidade”, diz Eduardo.
Como suportar as horas de escuridão e imobilidade?
“Eu me agarrei à vida. Percebi que eu queria muito viver. Eu tinha certeza de que ia ficar tetraplégico. Durante a noite, eu falei: ‘Tudo bem, não vou ficar com movimento. Isso não vale nada, eu quero a vida. Eu vou poder ver a minha filha crescer, vou poder estar com a minha mulher, minha família, meus amigos, vou estar pleno, minha cabeça está boa’”, conta Eduardo.
A maré mudou, e o rumo dele também. Desde as Ilhas Cagarras foram 16 horas e 21 quilômetros flutuando. Ao amanhecer, ele estava em frente à Praia de Piratininga, em Niterói.
A poucos metros da praia que seria a salvação, Eduardo sabia que estava enfrentando o maior risco desde a hora do acidente. Ele precisava ser resgatado antes da arrebentação. Qualquer pessoa que já pegou jacaré, que já atravessou a arrebentação, sabe a força que uma onda tem para deslocar um corpo. Agora imagine se essa pessoa está com pernas e braços paralisados. A lesão na coluna poderia ser agravada. Além disso, se a onda jogasse Eduardo na praia, na posição errada, de cabeça para baixo, ele poderia morrer afogado em um tantinho de água.
Eram 6h30 quando amigos que saíam para pescar pararam para olhar o mar e viram um vulto preto na água.
“Ele falava que era tartaruga; eu dizia que era lixo. Só quando chegamos perto da água mesmo constatamos que era uma pessoa”, conta o advogado Tiago Viana.
Jorge não sabe nadar. Tiago estava com medo de ser puxado para baixo. Foi Eduardo, que depois de tudo, ainda tranquilizou os dois e explicou o que deviam fazer.
“Eu até estranhei. Pelo que aconteceu, ele até que chegou à areia muito calmo, muito tranquilo”, diz Tiago.
A emoção é indescritível. “Com 60 anos de idade e sem nunca ter praticado uma aula de natação, não saber nadar nem o suficiente para me salvar, participar do resgate de uma pessoa assim”, conta o administrador Jorge Carvalho.
Ainda ali, na praia, Eduardo pediu para ligarem para a mulher dele. Ela havia passado a noite ouvindo que não havia esperança.
“Mesmo se ele não tiver recuperação nenhuma e ficar assim para sempre já está super no lucro, porque ele está de volta, lúcido. Estamos aqui conversando, vamos ficar juntos, vamos tomar vinho juntos, vamos acabar de criar nossa filha. Então, está no lucro total”, comemora Marina Quental.
No mesmo dia, Eduardo foi operado. Os médicos entenderam que a pancada provocou a paralisia porque ele tinha, sem saber, uma degeneração na coluna. Na cirurgia, eles removeram um pedaço de duas vértebras, permitindo que o fluxo fosse restabelecido.
“Estamos confiantes de que ele vai ter uma melhora grande com o passar dos meses. Não é uma coisa rápida, mas é evolutiva”, explica o médico Paulo José Pereira.
Um mês depois do acidente, os progressos aparecem. O braço e a perna direitos estão com movimento. A mão vai ficando cada vez mais firme. E quem já se conformava em viver paralisado agora faz planos
“Assim que eu puder, vou para dentro da piscina começar a treinar respiração. Se Deus quiser, eu vou voltar a fazer caça submarina melhor do que eu fazia antes. Essa é a minha ideia”, planeja Eduardo.
Fonte: globo.com/fantastico - 13/03/2011
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